“Não há saída sem ciência e tecnologia”, afirma presidente da SBPC

A declaração foi feita durante audiência pública virtual da Comissão Mista que acompanha ações do governo federal no enfrentamento à covid-19, realizada ontem, 17 de agosto

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Para especialistas, que participaram nesta segunda-feira, 17 de agosto, da audiência pública que discutiu investimento em pesquisa científica para o enfrentamento da covid-19, a crise causada pela pandemia serviu para mostrar a importância da ciência desenvolvida no País e o quanto é necessário o fortalecimento de políticas públicas de apoio à construção de conhecimento científico. Deputados e senadores da Comissão Mista destinada a acompanhar a situação fiscal e a execução orçamentária e financeira das medidas relacionadas ao coronavírus  participaram junto aos presidentes da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu de Castro Moreira, da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich, o diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Carlos Américo Pacheco, e o ex-presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Glauco Arbix,  em sessão virtual.

Os representantes da comunidade científica enfatizaram na audiência que, mesmo o setor sofrendo com cortes drásticos nos últimos anos, cientistas brasileiros, universidades e instituições de pesquisa estão empenhando todos os seus esforços no enfrentamento da pandemia em diversas frentes, como na busca de medicamentos, materiais de segurança, novos equipamentos com custos mais acessíveis, pesquisas sobre contágio, testes diagnósticos, análise do código genético e a perspectiva de encontrar uma vacina.

Segundo o presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira, se a ciência brasileira não estivesse sofrendo com os cortes sucessivos nos últimos anos, as universidades e instituições estariam em melhores condições para o enfrentamento da pandemia do novo coronavírus. “Nós temos um potencial muito grande, mas nós cientistas fomos pegos, de certa maneira, desprevenidos, porque a ciência brasileira tem sofrido cortes acentuados de recursos e isso faz com que a gente tenha que enfrentar essa situação num quadro complicado”, afirmou.

Mesmo assim, Moreira listou algumas iniciativas de enfrentamento como a colaboração das universidades e os institutos de pesquisas na construção de medidas de políticas públicas e de prevenção, o trabalho de comitês científicos, como o Consórcio do Nordeste, além da participação de redes em defesa da vida. “Os brasileiros podem se orgulhar do desempenho da ciência brasileira na tentativa de responder à crise que estamos enfrentando. As universidades, por exemplo, estão trabalhando com bastante empenho, mesmo tendo que de se adaptar a situações bastante precárias. No pós-pandemia, vamos precisar recuperar, atualizar e manter os laboratórios das universidades, além de criar novos laboratórios, como expandir os de Nível de Biossegurança 3 (NB3) e criar de nível NB4”, disse.

Moreira disse que os investimentos liberados pelo governo estão aquém do necessário para o enfrentamento da crise sanitária. “O MCTI (Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações) investiu R$ 452 milhões entre editais, encomendas e pregões via CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), que aportou recursos também para empréstimos para empresas. Desse total, R$ 100 milhões foram direcionados à pesquisa para o combate à covid-19. E os outros R$ 352 estão sendo liberados para outras ações de enfrentamento, incluindo a construção de laboratórios de biosseguranças, sendo R$ 34 milhões para NB3 e R$ 45 milhões para um NB4. Os recursos são baixos em relação às necessidades. Sem falar que alguns deles estão saindo com muito atraso. A Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) fez três editais liberando R$ 110 milhões. Em relação aos investimentos de dezessete Fundações Estaduais de Apoio à Pesquisa (FAPs) e secretarias de CT&I, eles chegam em torno de R$ 110 milhões”, calculou. Moreira citou ainda que a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) tem recebido recursos extraordinários em montante elevado para o enfrentamento da pandemia, mas que eles são direcionados fundamentalmente para a infraestrutura e para a produção de testes, vacinas e medicamentos, e que as pesquisas continuam com recursos insuficientes.

Segundo os presidentes da SBPC e da ABC, Luiz Davidovich, o Brasil tem muitos projetos de qualidade, mas o investimento é ainda muito baixo. Um exemplo claro ocorreu com o recente edital do CNPq que destinou apenas R$ 50 milhões para pesquisas sobre a covid-19, com mais de 2000 projetos submetidos. “O edital contou com uma demanda altamente qualificada de cerca de R$ 600 milhões. Mas, cerca de 90% dos projetos não serão financiados”, lamentou Moreira.

Ele também lembrou que os recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), principal fonte para fomento de pesquisa e desenvolvimento (P&D) no País, poderiam ajudar a sanar a falta de investimentos e contribuir para a retomada da economia. Segundo Moreira, com a contenção dos recursos do FNDCT, o governo deixou de investir cerca de R$ 4,5 bilhões este ano no setor. “Não há saída sem ciência e tecnologia. E para isso, é preciso continuidade, recursos, planejamento e visão para apoiar as iniciativas promissoras e de qualidade que temos no Brasil”, afirma. Mas ressaltou que, para cumprir adequadamente suas finalidades o FNDCT deve ter os seus recursos usados prioritariamente para ações de fomento à CT&I e não para operações de crédito destinadas às empresas.

Moreira também se mostrou preocupado com o orçamento de 2021. Notícias divulgadas na última semana preveem que os recursos para o Ministério da Educação (MEC) deverão sofrer cortes lineares de 18,2%, e que orçamento previsto do MCTI será de R$ 3,19 bilhões, o que representaria um corte de 15% em relação aos R$ 3,7 bilhões em 2020, o que deverá se estender para o CNPq e as unidades de pesquisa. “Estamos preocupados com essas perspectivas, porque vivemos um momento em que a educação e as pesquisas científicas são cada vez mais fundamentais para nossa sociedade”, afirmou. Daí também a importância da aprovação do PLP 135/2020, no que diz respeito à extinção da Reserva de Contingência do FNDCT e a sua transformação em fundo especial contábil e financeiro.

Luiz Davidovich também lamentou a falta de investimentos na área de CT&I. O presidente da ABC destacou que o FNDCT teve entre os anos de 2006 e 2020 cerca de R$ 25 bilhões contingenciados e que atualmente está com quase 90% de seus recursos presos na reserva de contingência. “Vamos lutar pelo fim do contingenciamento do FNDCT e por um orçamento de ciência e tecnologia para 2021 que permita realmente uma recuperação do País. É muito importante evitar cortes nesse orçamento”, afirmou.

Davidovich também defendeu uma maior aplicação dos conhecimentos em soluções industriais para o desenvolvimento do País. Para ele, o Brasil precisa de uma estratégia que coloque a ciência, tecnologia e inovação como prioridade e vetor para o alcance do desenvolvimento, como já fizeram outros países que desenvolveram rapidamente nas últimas décadas. “O Brasil perdeu espaço e está enfrentando uma desindustrialização. Em 1983, a indústria representava cerca 35% do PIB (Produto Interno Bruto), agora, em anos mais recentes, passou para 11%. Em países mais desenvolvidos a parte de serviços tem ganhado predominância e o papel da indústria, reduzido. Estamos com um nível de inovação insuficiente “, afirmou.

Glauco Arbix, professor da Universidade de São Paulo (USP), disse também que o Brasil tem tudo para avançar no desenvolvimento de pesquisa e desenvolvimento e ressaltou que nos últimos 30 anos o País avançou bastante na capacitação de cientistas. “Mesmo com exemplos negativos de não liberação de recursos, os cientistas brasileiros têm se mostrado qualificados e empenhados no enfrentamento da covid-19. O problema é que a pesquisa brasileira nunca foi tão encurralada e tão depreciada. Mesmo assim, nossas universidades estão mostrando ter vitalidade e desenvolvendo pesquisas com esforços coletivos. A ciência salva vidas. É uma realidade difícil de ser entendida da elite política do nosso País”, lamentou.

Carlos Américo Pacheco, diretor da Fapesp, citou algumas iniciativas da instituição no enfrentamento e enfatizou que o Brasil precisa encarar a ciência, tecnologia e inovação como fatores muito importantes para a soberania nacional. Ele destacou a corrida no mundo neste momento para a produção da vacina contra a covid-19. “A gente viu uma corrida gigantesca de sequestro de ventiladores, com barreiras à exportação de equipamentos, insumos, etc. Isso é um negócio que tem que chamar a atenção dos governantes do Brasil nesses próximos anos. É uma questão de soberania. Para questões que são complicadas, como saúde pública, você não pode ser vulnerável. Existe uma cadeia de suprimentos que pode ser bruscamente interrompida por uma medida de outro país. No que diz respeito à produção de insumos e equipamentos médico-hospitalares, essa questão é crítica e precisa ser encarada com seriedade pelo Governo”, declarou.

Pacheco também observou que, além dos insumos para a fabricação da vacina, o País também precisará priorizar a produção de materiais como vidro, agulha, máscaras e luvas. “As vulnerabilidades da cadeia de suprimentos são críticas. Muitas empresas no mundo estão reavaliando a sua dependência com relação a insumos importados da Ásia para os seus negócios. A soberania tecnológica dos países é assunto relevante que deve ser encarado com bastante seriedade”, disse.

Senadores e deputados da Comissão Mista presentes à audiência ressaltaram o papel do FNDCT e da necessidade da mobilização de todos para apoiar a aprovação do Projeto de Lei Complementar (PLP) 135/2020, que transforma o FNDCT em um fundo financeiro. O projeto, do senador Izalci Lucas (PSDB-DF), foi aprovado no dia 13 de agosto no Senado por 71 votos a 1, e agora depende da votação na Câmara dos Deputados.

Veja aqui a audiência na íntegra.

Vivian Costa – Jornal da Ciência