O adeus ao mestre Sérgio Mascarenhas

SBPC lamenta profundamente a morte de seu presidente de honra, nessa segunda-feira, 31 de maio. Cientistas de todo o País prestam homenagem ao protagonista do desenvolvimento da ciência brasileira
Mascarenhas em participação da 70ª Reunião Anual, em 2018.
Mascarenhas durante participação da 70ª Reunião Anual, em 2018.

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) manifesta profundo pesar pelo falecimento, nessa segunda-feira, 31 de maio, do grande cientista e humanista Sérgio Mascarenhas de Oliveira (1928-2021). Presidente de honra da SBPC, Mascarenhas pesquisou e atuou intensamente em muitos campos da ciência, e lutou durante décadas pela ciência brasileira, sempre com enorme energia e dedicação.

“Foi um grande inspirador e estimulador de jovens, contribuindo para o surgimento de várias gerações de cientistas brasileiros”, declara a entidade.

Sócio ativo da SBPC desde 1962, Sérgio Mascarenhas foi vice-presidente da entidade por dois mandatos, entre 1969 e 1973. Também foi membro do Conselho por quatro mandatos (1965-1969, 1973-1977, 1977-1981, 1983-1987). Em 1974, a SBPC o homenageou com a Medalha Jubileu de Prata, nas comemorações de 25 anos de sua fundação.

Mascarenhas graduou-se em Física pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (1952) e em Química pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1951). Foi professor titular do Instituto de Física e Química da Universidade de São Paulo, em São Carlos. Foi professor visitante em universidades internacionais de grande prestígio, como Princeton, Harvard, MIT (EUA) e também na Universidade Nacional Autonoma e Centro de Estudios Avanzados (México), no Institute of Physical and Chemical Research (Japan), na London University (RU) e no Institute Center for Theoret. Physics de Trieste e na Universidade de Roma, ambos na Itália.

Orientou mais de 50 teses de mestrado e doutorado, publicou cerca de 200 trabalhos e livros no Brasil e no exterior. Sua área de expertise era a Física, com ênfase em Física da Matéria Condensada, mas transitou também pela Biofísica Molecular, Física Médica, Física e Dosimetria das Radiações, Ciência e Engenharia de Materiais, Tomografia Computadorizada aplicada a polos e agropecuária, Educação para Ciência, e Ciência e arte em Arqueologia e restauro.

Protagonista no desenvolvimento da ciência do País, foi ele um dos fundadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e do Centro Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento de Instrumentação Agropecuária da Embrapa (Embrapa Instrumentação).

O físico falou sobre esse período no primeiro episódio do projeto “SBPC Recordar”, transmitido em 2018 pelo canal da SBPC no YouTube. Ele lembrou na entrevista as conversas com o então prefeito de São Carlos, que reclamava das desapropriações para a construção do campus da UFSCar. “Eu era o presidente do Conselho curador (da UFSCar) e o prefeito ficou uma fera comigo porque ele achava que aquilo seria uma despesa muito grande para a cidade. E eu disse, ‘olha, essa é uma universidade pra séculos, não pra daqui a pouco. Uma universidade que vai precisar de campus grande e de espaço’”, contou.

Sérgio Mascarenhas também foi responsável pela criação do Instituto de Física e Química da USP de São Carlos e do primeiro curso de Engenharia de Materiais da América Latina, na UFSCar.

A lista de prêmios que já recebeu é imensa: de Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico, Prêmio de Mérito Científico, na classe de Grã Cruz, ao Prêmio Conrado Wessel de Ciência e Cultura 2006, Guggenheim Award (EUA); Fullbright Award (EUA); e Yamada Foundation Award (Japão), entre tantos outros.

Comprovando sua inquietude e amor pela ciência, Mascarenhas teve, há cerca de uma década, um problema de saúde. Ao investigar seu próprio estado, descobriu que estava com hidrocefalia, e ficou inconformado com o método utilizado para o monitoramento da pressão intracraniana. Assim, auxiliado por um grupo de colegas pesquisadores, desenvolveu um sensor que, de forma não-invasiva, consegue medir as oscilações verificadas na pressão intracraniana de pacientes propensos a esse tipo de anomalia, equipamento esse que já recebeu vários prêmios nacionais e internacionais.

O físico morreu aos 93 anos nessa segunda-feira, após sofrer uma parada cardiorrespiratória. Ele estava internado no Hospital São Paulo, em Ribeirão Preto (SP), desde sexta-feira (28) e não resistiu, conforme informou sua neta, Sarah Mascarenhas.

Frequentador assíduo dos eventos da SBPC, Mascarenhas abriu a última Reunião Anual da entidade, em julho de 2020, com uma mensagem de esperança para os jovens cientistas, especialmente às mulheres: “vocês precisam ocupar seu lugar, especialmente nesta sociedade altamente machista e escravista.”

Na conferência, situou o humanismo, as artes e a filosofia no centro de sua defesa de um desenvolvimento baseado na ciência e na tecnologia. “Se olharmos para o progresso, só temos um caminho para o País: a educação, a ciência, a tecnologia e o humanismo”, caminho que se trilha com um olho no passado e outro no futuro, como ressaltou o sábio cientista.

Homenagens

Instituições científicas e cientistas de todo o País prestaram homenagens ao grande mestre. Carismático e profundamente engajado com o desenvolvimento do País, Mascarenhas é lembrado por todos pela generosidade e amor ao ofício de pesquisar e ensinar.

“Sérgio, um ser humano fantástico, um educador incansável, um cidadão brasileiro íntegro e dedicado, um cientista absolutamente brilhante e criativo, nos fará muita falta. Toda a SBPC, para a qual Sérgio deu enorme contribuição, envia, muito entristecida, condolências e sentimentos carinhosos à sua família. Adeus, Sérgio! Nossos aplausos e nosso muito obrigado pelo muito que nos proporcionou e ao Brasil. Que, inspirados em você, muitos jovens enveredem pelas trilhas que abriu”, declarou o presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira.

“O Brasil perdeu um dos maiores brasileiros, que sempre lutou pela educação, ciência, tecnologia e inovação. Ele era incansável. Trabalhou até o último dia. A perda dele é irreparável, principalmente neste momento pelo qual passa o Brasil. Ele fará falta. Ele era luz. Além de se dedicar à ciência, ele se dedicava aos jovens. Poucas pessoas tinham o brilho de Sérgio Mascarenhas”, afirmou Helena Bonciani Nader, presidente de honra da SBPC e vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

“Sérgio Mascarenhas é a memória que as cinzas não apagam. Será exemplo e símbolo de resistência. E referência na reconstrução. As adversidades passarão. Sérgio não esquecerei”, escreveu o físico Ennio Candotti, presidente de honra da SBPC.

“Como muitos colegas, sou particularmente grato a ele, pois foi quem me convenceu a vir para Recife há 50 anos. Ele me disse que eu tinha uma oportunidade histórica! Achei que a frase era fantasiosa, mas ele tinha toda razão. Vai fazer muita falta quando chegar o momento da reconstrução do desastre que estamos vivendo”, disse o professor titular no Departamento de Física da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e ex-ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Sergio Rezende.

“Mascarenhas era uma pessoa muito especial, uma pessoa excepcional e exuberante. Além de um cientista brilhante, ele era um grande brasileiro. Um cidadão politizado, consciente da responsabilidade que temos enquanto intelectuais. Ele era uma pessoa apaixonada pelo que fazia. E era isso que o destacava. A gente perdeu uma grande liderança, principalmente neste momento tão triste para a história humana”, lamentou Vanderlan S. Bolzani, presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp), professora titular do IQAr-Unesp e conselheira da SBPC.

“Sergio Mascarenhas foi o grande inspirador de várias gerações de cientistas brasileiros. Mente criativa e brilhante, era uma fonte inesgotável de ideias, sempre generosamente compartilhadas com seus discípulos e colaboradores. Acima de tudo foi um amigo amoroso, que deixa uma lacuna irreparável em nossas vidas. Viva Sergio! E obrigado por tudo!”,  declarou Glaucius Oliva, professor titular do Instituto de Física de São Carlos,

“Grande cientista e também grande humanista. Sempre abrindo pontes de diálogo com as ciências sociais. Um exemplo que tem frutificado na SBPC”, destacou Otávio Velho, antropólogo e também presidente de honra da SBPC.

“Grande perda para a ciência brasileira e para a SBPC. Deixa um legado inestimável. Nossos sentimentos aos familiares e amigos”, registrou Carlos Alexandre Netto, professor da UFRGS e conselheiro da SBPC.

“É chocante pensar que ainda há poucos dias dialogávamos com essa pessoa extraordinária e grande cientista, que a SBPC teve a honra de ter como presidente, justamente, de honra. Sua contribuição para o País é inestimável. Já nos faz falta”, lamentou Renato Janine Ribeiro, professor da USP e conselheiro da SBPC.

“Quem teve a sorte de conhecer a doçura, a generosidade e a inteligência do nosso Grão-Mestre Sergio Mascarenhas, mesmo que só um pouquinho, vai ficar com muita saudade dele. Gênio da Raça, Sal da Vida, Guerreiro do Povo Brasileiro! Vai fazer muita falta”, afirmou Sidarta Ribeiro, diretor da SBPC.

“Ele era daquelas pessoas para viver 200 anos, mas o legado que ele deixou certamente vai durar muito mais do que isso. O tanto de gente que ele tocou, provocou e influenciou é impressionante. Para mim, o professor Sérgio Mascarenhas era a Terceira Cultura (união entre a ciência e o humanismo) em pessoa. Foi um gênio da ciência. Um gênio maior ainda pelo seu humanismo”, disse Guilherme Rosso, cientista, head de inovação do Complexo Pequeno Príncipe e jovem amigo de Mascarenhas.

Vanderlei S. Bagnato, diretor do IFSC, ressaltou a grandiosidade do cientista: “Mentor sempre motivado e motivando, grande conhecedor das necessidades científicas do país usou todos os momentos de sua vida para ser útil. Incansável e desbravador, propôs ideias e elevou a ciências brasileiras através de seus feitos e relacionamentos com o exterior. Formou inúmeras pessoas que acabaram sendo fundamentais no desenvolvimento do país. Foi inovador desde o início, mesmo antes de falarmos sobre isto, já usava o conhecimento científico como ferramenta essencial para o desenvolvimento. Fundamental em propostas a nível nacional, sempre foi admirado e nunca mediu esforços para mudar o panorama brasileiro. Inconformado com a grande desigualdade social no Brasil, lutou sempre para que a ciência fosse o veículo da mudança deste quadro.”

“O professor Sérgio deixa um enorme legado para o país e, especialmente, para São Carlos, cidade que adotou, criou raízes e que muito contribuiu para transformar em uma referência nacional em ciência e tecnologia. Das muitas realizações do professor Sérgio, merece especial destaque a formação de recursos humanos. São muitos os que tiveram o privilégio de cruzar o seu caminho e que foram influenciados pelos seus ensinamentos e visão de mundo. Saiu a contragosto, aos 48 do segundo tempo. Teria feito ainda mais se lhe fosse permitido jogar na prorrogação. Deixa o exemplo e muitas saudades”, homenageou o Instituto de Química da USP de São Carlos (IQSC).

A Academia Brasileira de Ciências destacou a coragem e o brilhantismo de Mascarenhas: “Foi-se um ícone da ciência brasileira, um grande cientista, iluminado, multifacetado, generoso, grande figura humana, insubstituível, foi-se um gigante, um humanista, intenso defensor da ciência e da inovação, fundador de áreas de pesquisa e de instituições: criou a Embrapa Instrumentação, foi um dos fundadores da UFSCar, pioneiro da biofísica no Brasil. Estamos todos muito tristes, uma tristeza acentuada pelo inesperado da morte de uma pessoa tão jovem de espírito, de ideias, de pensamento, que nos inspirava e inspira ainda e sempre. Os olhares de Janus, que ele descreveu em dois livros, são também os de Sérgio Mascarenhas, visando o futuro com a experiência do passado. Mas Sérgio foi além: mais que o olhar, ele construía o futuro. Por isso, pela sua determinação, por seu ativismo e pela coragem de defender suas convicções, fará muito falta.”

“Sergio Mascarenhas foi um visionário, ao propor, na década de 80, junto com Eliseu Alves, a criação de uma unidade voltada à aplicação dos conhecimentos da física e das engenharias ao setor agropecuário, algo que hoje pode parecer até óbvio, mas que fez muita diferença. Ele sempre foi um defensor da ciência, que o conhecimento deveria gerar valor e impactar a vida das pessoas. Sem dúvida, um grande brasileiro que deixa um exemplo e um legado para várias gerações!”, descreveu o presidente da Embrapa, Celso Moretti, em nota publicada no site da Empresa.

O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)  também registrou seu pesar pela morte do cientistas: “Querido por todos, o Prof. Sérgio deixa um grande legado para a ciência brasileira, tendo mantido, sempre, um forte vínculo com o CNPq, como o apoio à criação e ao desenvolvimento do Centro de Memória da instituição.”

O corpo do físico será enterrado em São Carlos (SP) e o velório está previsto para ocorrer das 13h30 às 15h30 no Auditório Sérgio Mascarenhas, com controle de entrada para evitar aglomeração. O enterro será no Cemitério Nossa Senhora do Carmo às 16h.

O IFSC da USP prestará uma homenagem ao cientista entre as 14h e 15h em seu canal no YouTube,  https://www.youtube.com/channel/UCgFcKiOkt3-3xd_z_xXUGmw. Na transmissão serão projetadas mensagens de despedida e agradecimento a Sérgio Mascarenhas.

Jornal da Ciência 

 

Veja também: Depoimento de Sergio Mascarenhas na 70ª Reunião Anual da SBPC, em 2018