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Programa de CT&I de São Paulo abre discussão entre cientistas e pesquisadores

Em um momento em que a área de ciência, tecnologia e inovação ganha força para alavancar o desenvolvimento do País, especialistas e pesquisadores querem saber o papel das universidades e de institutos de pesquisas nos novos programas de CT&I em andamento, tanto na esfera federal quanto na estadual. Uma das preocupações é com o Plano Diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação (PDCT&I) do Governo do Estado de São Paulo, aprovado em 2010 pelo Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia (Concite) e hoje em fase de revisão.
Pesquisadores temem que o novo projeto de CT&I para o estado de São Paulo promova a privatização ou fusão dos institutos de pesquisas
Em um momento em que a área de ciência, tecnologia e inovação ganha força para alavancar o desenvolvimento do País, especialistas e pesquisadores querem saber o papel das universidades e de institutos de pesquisas nos novos programas públicos de CT&I em andamento. Uma das preocupações é com o Plano Diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação (PDCT&I) do Governo do Estado de São Paulo, aprovado em 2010 pelo Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia (Concite) e hoje em fase de revisão.

Pesquisadores temem que o novo projeto de CT&I para o estado de São Paulo promova a privatização ou fusão dos institutos de pesquisas – hoje em crise em razão da instabilidade do fluxo de dotações orçamentárias. No total, são 19 institutos ligados a quatro áreas: agricultura e abastecimento, saúde, meio ambiente, e economia e planejamento, criados há anos para colaborar no processo de desenvolvimento do estado mais rico do Brasil.
Desenhado para um horizonte de 20 anos, pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) do estado paulista, o projeto prevê a construção de um novo modelo de produção científica e de estímulo à inovação a fim de atender às necessidades da economia paulista e brasileira. 
A discussão sobre a proposta e a crise dos institutos de pesquisas de São Paulo foi motivo do debate realizado ontem (10/06), pela Frente Parlamentar, no Auditório  Franco Montoro, na  Assembleia Legislativa de São Paulo – sob o tema “Desafios do desenvolvimento sustentável do estado de São Paulo e o papel dos institutos públicos de pesquisa e das fundações públicas: importância das áreas de ciência, inovação e informação”.  
Participaram especialistas como a geógrafa Ros Mari Zenha, pesquisadora do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), vinculado à própria Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado de São Paulo, também membro do Conselho Municipal de Ciência, Tecnologia e Inovação; e Orlando Garcia Ribeiro Filho, presidente da Comissão Permanente do Regime de Tempo Integral (CPRTI). Mediado pelo presidente da Frente Parlamentar (FP), Carlos Neder, a mesa contou ainda com as presenças da biomédica Helena Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e do economista Marcio Pochmann, professor da Unicamp.  Conforme o presidente da FP, foram convidados representantes das quatro secretarias estaduais de São Paulo, ainda que nenhum representante tenha comparecido ao debate. 
Pesquisadora do IPT acende sinal de alerta
Em um debate acalorado, Ros Mari reforçou o papel dos institutos de pesquisas para o desenvolvimento de São Paulo e acendeu o sinal de alerta em relação ao novo plano de CT&I, diante de iniciativas do governo do Estado de São Paulo de tentar fundir institutos de pesquisa alegando redução despesas.
A geógrafa criticou o fato de os recursos depositados nos institutos não serem vistos como investimentos e sim como despesas nas contas do Governo do Estado de São Paulo. 
Ela criticou ainda o fato de o plano ter sido aprovado exatamente pelo Concite no qual não há nenhum assento para entidades dos profissionais das áreas de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e de CT&I, considerados “os protagonistas da produção científica e tecnológica do Estado de São Paulo”. Além disso, Ros Mari fez questão de destacar que o Concite, até então apagado, foi ressuscitado exatamente no momento da concepção do plano. 
“Isso é uma coisa bastante grave”. A geógrafa reforçou que tal episódio acontece em um momento em que os institutos de pesquisas de São Paulo enfrentam crises financeiras, diante da instabilidade do fluxo de dotações orçamentárias, além de ausência de planos de carreira e de valorização dos pesquisadores.  
Dessa forma, avalia Ros Mari que o novo projeto de CT&I deve estar à frente do que vem ocorrendo como os institutos de pesquisas. “Se é um plano para daqui a 20 anos é possível que o atual governo tenha nele o seu programa de trabalho e político da área de CT&I. Então, queremos saber, com urgência, o conteúdo do programa, o que ele pretende e os quesitos que dizem respeito à carreira dos pesquisadores, mudança de figuras jurídicas e marco regulatório”.
Orlando Garcia Ribeiro Filho, presidente da CPRTI, pontuou um quadro negativo para o que vem ocorrendo no RH dos institutos de pesquisas, citando que um grande número de funcionários vem se aposentando e desde 2008 não houve nenhum concurso público para repor essas vagas, além da defasagem salarial da categoria.
 Segundo disse, por mês os institutos perdem seis pesquisadores. A previsão é de que nos próximos cinco anos 40% deles estejam aposentados. A tendência é de que até 2020 os institutos tenham menos de mil pesquisadores. Os especialistas criticaram ainda as medidas que pedem avaliação de desempenho dos pesquisadores.

SBPC reforça importância dos institutos de pesquisas
Um dos destaques do debate foi a apresentação da presidente da SBPC, Helena Nader, que discorreu sobre o tema “A importância do investimento em Ciência e a realidade do País”. Ela fez questão de citar a criação de todos os institutos de pesquisas e órgãos de CT&I e a relevância de cada um para o desenvolvimento tanto de São Paulo quanto do País. 
Helena aproveitou para criticar a decisão do governo do Distrito Federal em despejar a Embrapa Cerrados de seu habitat natural, onde foram desenvolvidos cultivares da soja, hoje o principal item da balança comercial do agronegócio brasileiro responsável por colocar o Brasil na posição de 7ª economia mundial. 
Helena lembrou ainda que o Brasil é o maior produtor de soja e um dos maiores na pecuária graças aos investimentos científicos nos últimos anos. “Isso foi construído com muita ciência e ciência leva tempo”, pontuou.  
Helena destacou que o sucesso do Brasil obtido no agronegócio vem sendo demonstrado nos periódicos indexados na base de dados do ISI de 2013, em que a agricultura lidera a produção de artigos publicados pelo Brasil.
Helena acrescentou que são os institutos de pesquisas e as universidades públicas que sustentaram a produção de pesquisa no Brasil. Para ela, se  não fosse isso a posição do Pais nos rankings mundiais de inovação poderia ter caído mais ainda nos últimos anos. Hoje o Brasil situa-se em 64º lugar, atrás de países como México, Colômbia e Argentina. 
No olhar de Helena, os principais gargalos para CT&I no Brasil são os arcabouços legais. “No Brasil temos uma legislação anti-ciência tanto na esfera estadual quanto na federal”. 
Reforçando tal posicionamento, Ros Mari buscou explicar o conceito de “inovação” e o papel do Estado nessa área. “A visão hegemônica, em nosso meio, quando falamos de sistema produtivo, é o de que a inovação deve ocorrer nas empresas, relegando, por vezes, o papel das universidades e dos institutos públicos de pesquisa”. 
Entretanto, disse que nos EUA, símbolo do capitalismo, é o governo que assume os riscos de inovar, as incertezas, prazos longos, custos elevados e fracassos. Citou o fato de as pesquisas e inovação dos produtos desenvolvidos no Vale do Silício serem todas financiadas pelo governo americano.
Capitalismo 
Por sua vez, Marcio Pochmann, ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e presidente da Fundação Perseu Abramo, atribuiu o novo cenário ao sistema capitalista. Provocando uma discussão na plateia, disse que o mundo está diante de um momento singular em que a área de CT&I passa a ter um papel mais relevante dentro do sistema capitalista. Para ele, o que vem ocorrendo em São Paulo com os institutos de pesquisas não é um fato isolado.
“A relação entre a área de ciência, tecnologia e inovação e o desenvolvimento tem a ver com as próprias transformações do capitalismo.”
Disse que o Brasil tem avançado na produção científica e tecnológica, mas sua relação com o sistema produtivo ainda é pequena. Isso se deve ao fato de sistema produtivo nacional ser contaminado por empresas multinacionais e de capital estrangeiro que produzem a tecnologia fora do Brasil e respondem por 50% da produção mundial, e por 60% dos investimentos em CT&I. Hoje, segundo ele, há um sistema mundial organizado na forma de império, sobretudo nos Estados Unidos. 
Ao falar dos desafios do Brasil, discorreu sobre a história da economia regional do País, com destaque para São Paulo e acrescentou que os institutos de pesquisas precisam se reinventar. E chamou as universidades a participarem mais dessas discussões. 
A discussão abriu divergências da plateia entre os próprios pesquisadores. Há quem diga que é possível reinventar a pesquisa, mas não da forma que estão querendo vender “nossas forças” para o capitalismo. Para o segundo vice-presidente da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo  (APqC), o Estado tem de ser integrado e não pode ser excludente.
 
(Vivian Monteiro/Jornal da Ciência)