Preservar terras indígenas é vital para preservar a Amazônia

Em mesa-redonda realizada na 75ª Reunião Anual da SBPC, especialistas discutiram as ameaças aos povos originários e porque é importante combatê-las

whatsapp-image-2023-07-31-at-16-18-51A degradação florestal, a mineração, o avanço da agropecuária, a paralisação nas demarcações de terras. Essas e outras ameaças enfrentadas diariamente pelos povos indígenas brasileiros foram discutidas na mesa-redonda “Amazônia, devastação, garimpo ilegal e contaminação dos rios e povos originários”, realizada na última sexta-feira (28) durante a 75ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A reunião aconteceu de 23 a 29 de julho na Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba.

“Os povos originários foram as grandes vítimas dos problemas ambientais, sendo infectados com as doenças dos brancos e afetados pelos desmatamento e pelos confrontos com os grileiros, madeireiros e caçadores”, apontou Renato Sérgio Balão Cordeiro, pesquisador emérito da Fundação Oswaldo Cruz e membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Academia de Ciências da América Latina (ACAL). Para ele, os últimos quatro anos de governo negacionista desmontou instituições importantes, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, facilitando a ação de grupos criminosos e comprometendo a preservação da floresta amazônica e dos povos que vivem lá. “Agora estamos no processo de reconstrução do País em todas as áreas, mas o desafio ainda é grande quando temos o impasse do marco temporal e vemos a dramática situação humanitária que atingiu os Yanomami, com muitas mortes de adultos e crianças de até quatro anos”, alertou.

O garimpo ilegal em terras indígenas na Amazônia subiu 1.217% em 35 anos. A área afetada passou de 7,45 km² em 1985 para 102,16 km² em 2020, de acordo com dados do Projeto de Mapeamento Anual do Uso e Cobertura da Terra no Brasil (MapBiomas). Já o desmatamento chegou aos 35.193 km² entre 2019 e 2022, o maior registro em 15 anos, equivalente à derrubada de quase três mil campos de futebol por dia, segundo o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Imazon. “No período de 2016 e 2021, houve um crescimento de todos os crimes ambientais tipificados no Código Penal, com destaque para o garimpo ilegal”, enfatizou Paulo Cesar Basta, professor da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fiocruz.

O pesquisador, que também é membro do grupo de trabalho para a implementação da Convenção de Minamata no Brasil e da Rede de Biomonitoramento de Contaminantes Químicos, gerenciados pela Coordenação Geral de Vigilância Ambiental (CGVAM) do Ministério da Saúde (MS), alertou para os riscos da presença do garimpo ilegal na região: além dos conflitos violentos, a contaminação dos rios, especialmente por mercúrio, representa uma grave ameaça aos povos originários. Quando inalado ou ingerido em abundância, o elemento pode atacar o sistema nervoso central e periférico, o trato digestivo e o sistema imunológico, além de pulmões e rins. “Quando se pesca e se consome um peixe contaminado, o mercúrio vai ser absorvido no trato gastrointestinal, vai cair na corrente sanguínea e vai ser distribuído por diferentes sistemas, provocando lesões insidiosas”, alertou.

Além do garimpo, o desmatamento vem impactando a vida dos povos da região. Paulo Basta explicou que a ação de garimpeiros, madeireiros, grileiros, etc., causa profundas alterações no meio ambiente. “Esse processo provoca alterações profundas no ecossistema local: muda a população de mosquitos, afugenta a caça, contamina os rios. Então, isso provoca uma escassez de alimentos tradicionais para as populações originárias, além de ameaçar as espécies nativas da fauna e da flora, inclusive de plantas medicinais com potenciais terapêuticos.”

Além disso, o bioma Amazônia é um dos maiores detentores da maior biodiversidade do planeta, além de concentrar mais de 20% da água doce do mundo, sendo vital para o equilíbrio climático. O desmatamento em terras indígenas na Amazônia brasileira provocou a emissão de 96 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) entre 2013 e 2021, segundo pesquisa da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) publicada na revista Scientific Reports. “O que temos hoje de mais preservado no bioma Amazônia no território brasileiro está justamente onde os povos ordinários estão situados. Preservar esse ambiente é vital para combater o aquecimento global, manter a estrutura do nosso planeta e nos manter na face da terra”, alertou Paulo Basta.

Assista à conferência na íntegra:

https://www.youtube.com/watch?v=Y_dNv_Djr34&t=4937s

Chris Bueno, especial para o Jornal da Ciência