Pressão por resultados desencadeia problemas de conduta científica, apontam especialistas

Ética na ciência foi tema de mesa redonda na programação científica da 69ª Reunião Anual da SBPC. Pesquisadores da Alemanha, do Japão e do Brasil compartilharam as experiências e soluções propostas em seus países

Problemas de conduta científica não são simples questões de virtude pessoal, eles expõem, na verdade, a fragilidade de todo um sistema. Esta é a conclusão do professor Jens Ried, da Friedrich-Alexander-University Erlangen-Nürnberg, na Alemanha, que participou nesta segunda-feira, 17, da mesa redonda “Ética na Ciência”, na 69ª Reunião Anual da SBPC, que se realiza esta semana, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte.

Além de Reid, a sessão trouxe também Satoru Ohtake, diretor executivo da Agência Japonesa de Ciência e Tecnologia (JST), Sonia Maria Ramos de Vasconcelos, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Os especialistas compartilharam suas experiências e discutiram as soluções que diferentes países vêm adotando para assegurar os padrões éticos fundamentais para o desenvolvimento científico.

“A fraude científica é causada por fatores inerentes à estrutura do sistema científico”, disse o professor alemão. Entre esses fatores estruturais, ele cita a cultura do “publish or perish” (publique ou padeça, em português), insegurança social, economicismo, corporativismo e o viés para resultados positivos, que é, segundo ele, um grande desencadeador de dados fraudulentos.

Fabricação e manipulação de dados, falta de padrões éticos, plágio, concessão indevida de diplomas, publicação duplicada, autoria presenteada – quando um pesquisador é listado entre coautores, sem ter se envolvido com o trabalho -, citações indevidas, publicações duplicadas são exemplos de fraudes na produção científica. E a frequência com eles acontecem é muito maior do que se imagina. Um estudo do Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America (PNAS) observou que entre mais de 2000 artigos do PubMed que foram retratados na área de biomedicina e ciências da vida, 67,4% foram por conduta inapropriada. Apenas 21% foram por erro. “Aumentou mais de 10 vezes esse número nas últimas quatro décadas”, disse Ried, que ressaltou que quanto maior o fator de impacto da publicação, maior é o número de retratações por suspeita de fraude.

Estados Unidos, Alemanha, Japão, China e Reino Unido figuram entre os países com maior número de retratações por conduta científica inapropriada.

Novas formas de fraude

“A aproximação da ciência com o setor produtivo vai criando desafios que vão ficando pelo caminho, e às vezes, não vão no mesmo passo que os avanços”, comenta Sônia Maria Ramos de Vasconcelos. Mas, à medida que os impactos da ciência no dia-a-dia das pessoas foram ficando mais evidentes, a sensibilidade para suas implicações aumentou. “E a ciência vem administrando essas questões com mudanças na cultura científica”, comenta.

Reid também pontua os conflitos que emergem com a aproximação crescente entre ciência e indústria. Segundo ele, hoje na Alemanha, 60% dos cientistas alemães estão em empreendimentos privados, nos Estados Unidos e no Japão, o número supera os 70%. “Maior parte da ciência hoje é feita pela indústria. Como podemos assegurar padrões éticos nessas áreas?”, questiona.

Uma das questões que se tornam fundamentais nesse cenário é a transparência no fazer ciência. E isso envolve mudanças paradigmáticas, especialmente a dessacralização da pesquisa. Vasconcelos cita dois artigos emblemáticos dessa nova fase, um chamado “The paper is not sacred” (“O artigo não é sagrado”) e outro é “We must be open about our mistakes”, ambos publicados na renomada revista Nature. “É importante que os pesquisadores se tornem abertos sobre seus problemas, expondo os debates de forma transparente”, sugere.

Reid concorda que a transparência é o caminho, pois permite a maior participação social nos debates sobre como esses avanços tecnológicos são conduzidos. “Não podemos deixar todo esse debate apenas para os cientistas. A sociedade, instituições públicas, governo e a indústria devem todos participar”, concluiu.

Justa e rigorosa

A penalidade por má conduta científica deve ser justa, porém rigorosa. Esta é a posição do diretor científico da Fapesp, Brito Cruz, que defende que é importante deixar clara a diferença entre o erro e a transgressão. “O erro faz parte da ciência. A má conduta não pode ser confundida com o erro de boa fé”, disse. Ele também concordou que a exigência de produtividade não ajuda a ciência a progredir.

Em 2011, a Fapesp publicou um código de boas práticas em pesquisa, que tem como princípio a educação, a prevenção e a investigação e sanção justas e rigorosas. “As pessoas falam muito quando surge um escândalo, mas é raro ouvir falar sobre prevenção. Antes de fomentar escândalos, é mais produtivo trabalhar na prevenção, na educação dos jovens cientistas”, afirmou.

No Japão, o mesmo princípio da prevenção pela educação foi a escolha do governo. As medidas foram fortalecidas diante de três episódios que abalaram a confiança pública na ciência: em 2006, um pesquisador foi penalizado por uso indevido de financiamento para pesquisa; em 2011 o terremoto seguido por um tsunami causou o acidente na usina nuclear de Fukushima Daiichi; e em 2014, uma pesquisadora divulgou dados falsos sobre um método de transformar células simples do corpo em células tronco, que foram publicados em dois artigos de destaque na Nature.

“As pessoas estão cientes de que a ciência é uma atividade financiada com dinheiro público ou verbas vindas da sociedade que faz parte e influencia nossa vida cotidiana. A construção da confiança entre ciência e sociedade se tornou um problema emergente no Japão”, observou o diretor executivo da Agência Japonesa de Ciência e Tecnologia.

As medidas que o Japão adotou para reduzir os casos de má conduta na ciência e fortalecer a confiança e consequente apoio social  incluem revisão do código de conduta para cientistas, em 2013, a promoção de uma comunicação mais ampla e transparente entre ciência e a sociedade, atenção às pressões desnecessárias sobre os cientistas, buscando um ambiente mais sustentável, e programas educativos, conforme conta Ohtake. Um exemplo é o “The Lab – avoiding research misconduct” (“evitando má conduta científica”), projeto que traz filmes interativos, para orientar jovens pesquisadores sobre como agir em situações de pressão, constrangimento e outros conflitos.  “É importante preparar os jovens pesquisadores para tomar as decisões corretas”, concluiu.

 

Daniela Klebis – Jornal da Ciência