Recuperar o orçamento do MCTIC deve ser prioridade

Dirigentes de seis representações científicas revelam otimismo cauteloso com a gestão do ministro Marcos Pontes e esperam que ele consiga reverter o corte anunciado no orçamento da Pasta o quanto antes

A comunidade científica tem grande expectativa de que o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), Marcos Pontes, convença a área econômica do governo a restaurar o orçamento da área, que já vinha em baixa nos últimos quatro anos. E está disposta a apoia-lo nesta iniciativa. No dia 29 de março, o Ministério da Economia baixou um decreto de programação orçamentária e financeira para 2019, prevendo um contingenciamento de 42,27% nas despesas de investimento do orçamento do MCTIC. O decreto motivou a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e outras cinco instituições científicas e acadêmicas nacionais a divulgarem uma carta pública criticando os cortes e alertando para as graves consequências para o desenvolvimento científico, social e econômico do País. Esta carta foi assinada e reforçada também por dezenas de outras entidades científicas. Os grandes jornais do País, e até as revistas internacionais Science e Nature, fizeram matérias sobre as consequências graves destes cortes para a C&T no Brasil.

O Jornal da Ciência realizou, entre os dias 8 e 11 de abril, uma enquete para sondar a expectativa dos dirigentes de algumas das principais entidades representativas da ciência, tecnologia e inovação quanto à nova gestão do MCTIC. Foram feitas seis perguntas: 1) como avalia a relação da comunidade científica com o ministro Marcos Pontes e com ministério? 2) quais os pontos prioritários para uma agenda de CT&I para o País? 3) quais as maiores preocupações que requerem ações emergenciais nesse momento? 4) como a comunidade científica poderá colaborar para o projeto Ciência na Escola, indicado como uma das prioridades dos 100 dias do novo governo? 5) De que maneira a comunidade científica e o MCTIC podem se articular para atuar de forma mais efetiva junto ao Congresso? e 6) quais ações poderiam ser promovidas pela própria comunidade para ampliar a atuação junto à sociedade em geral e estimular um maior engajamento e percepção do papel estratégico da ciência para o desenvolvimento do País?

As questões foram respondidas por altos dirigentes de seis instituições: Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), Conselho Nacional de Secretários para Assuntos de Ciência Tecnologia e Inovação (Consecti), Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies), Federação de Sociedades de Biologia Experimental (Fesbe), Sociedade Brasileira de Química (SBQ) e de Física (SBF).

Um ponto em comum entre os entrevistados é o otimismo cauteloso com a gestão Pontes à frente do Ministério. “No início, eu vi a atuação do ministro como positiva. Ele buscou um diálogo com a comunidade científica e considerei esta abertura muito importante. Achei uma boa escolha a ênfase para o ensino de ciência nas escolas”, afirma Marcos Assunção Pimenta, presidente da SBF. No entanto, o presidente da SBF pondera que o sucesso do ministro vai depender da sua capacidade de ganhar a queda de braços contra a equipe econômica do governo. “O recente corte de 42% parece mostrar que ele está perdendo esta queda de braço. Vamos torcer para ele reverter esta situação catastrófica”.

“O Ministro demonstrou uma boa capacidade de relacionamento com as instituições e associações representativas da comunidade científica, e levou para o Ministério assessores que conhecem o sistema de CT&I brasileiro. Assim, a relação parece muito promissora”, disse Fábio Guedes Gomes, vice-presidente do Confap e diretor-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal). Guedes reitera a crítica ao corte, que vai deixar o MCTIC com praticamente a metade um orçamento já exaurido. “Isso ameaça colapsar o sistema de CT&I brasileiro, afugentar pesquisadores para outros países e elevar as taxas de desemprego de mão de obra qualificada”, alerta.

Fernando Peregrino, do Confies, alerta para a ameaça de perda de “massa crítica, de difícil recuperação” em razão da queda dos investimentos. “A área econômica precisa entender que os cortes para equilibrar o orçamento devem recair sobre os R$ 300 bilhões de despesas tributárias, ou sobre a parcela  dos juros da divida, ao invés de investimentos no futuro!”

O presidente do Consecti, Gilvan Maximo, define como “grande sintonia” o relacionamento da comunidade com Marcos Pontes e elogia a escolha da equipe de trabalho do ministro: “revela o apreço pela academia e pelo conjunto da comunidade cientifica nacional”. Máximo destaca, porém, que as demandas da área de Ciência, Tecnologia e Inovação são “permanentes e crescentes” diante do desenvolvimento acelerado da área. Para ele, as restrições impostas pelos decretos de reprogramação orçamentária trazem um novo desafio. “O Consecti está atento e atuará firmemente nesta pauta, buscado alternativas ao bloqueio de recursos definidos na Lei Orçamentária Anual (LOA)”.

Também há consenso entre os dirigentes nas questões sobre quais os pontos prioritários para uma agenda de CT&I para o País e as maiores preocupações que requerem ações emergenciais nesse momento. Todos concordam que recuperar o orçamento do Ministério é a prioridade número um e mais emergencial, mas apontam outros itens para que o presidente Jair Bolsonaro cumpra a promessa de campanha, de chegar ao fim de seu mandato aplicando 3% do Produto Interno Bruto (PIB) em CT&I.

“Em um momento de crise como estamos vivendo, o ponto prioritário é a certeza dos compromissos com orçamento do MCTIC”, afirma Norberto Peporine Lopes, da SBQ. “É inadmissível pensarmos no estrangulamento que estamos presenciando, principalmente com o CNPq.”

O presidente do Confies coloca no topo da lista de prioridades, além da recomposição do orçamento a “patamares mínimos”, a supressão dos vetos à Lei dos Fundos Patrimoniais (13.800/19) e a instituição da rubrica única (investimentos) para projetos de pesquisa, como forma de reduzir a burocracia que aumenta os custos dos financiamentos. Como ações emergenciais, Peregrino frisa o aumento de recursos para o CNPq, Finep e Capes. “Há outras (medidas) que não custam nada, mas que reduziriam os custos operacionais e financeiros, como o da Rubrica Única, basta o governo querer e fazer uma resolução conjunta da SOF (Secretaria de Orçamento Federal) e da STN (Secretaria do Tesouro Nacional)”, comenta o presidente do Confies.

Para Hernandes Carvalho, presidente da Fesbe, a continuidade no financiamento é primordial. “As oscilações e incertezas fragilizam o sistema de CT&I”, observa, destacando ainda a necessidade de recuperação do orçamento do Ministério e, em particular, do CNPq.

Educação científica

Os dirigentes concordam com o ministro sobre a importância do projeto Ciência na Escola, colocado como uma das prioridades para os primeiros 100 dias do novo governo e acham que a comunidade científica tem muito a aportar para levá-lo em frente. “Difundir conhecimento científico nas escolas de ensino fundamental e médio é, a meu ver, de grande relevância para as crianças desde o início de sua formação escolar, quando começam a entender como o conhecimento é importante e mudou a história dos humanos na terra”, opina Peporine, da SBQ. Para Peregrino, do Confies, a comunidade pode ajudar “incentivando a divulgação de seus projetos junto às escolas de uma forma adequada”, em programas que devem ser apoiados por todas as IFES.

Por sua vez, Fabio Guedes, da Confap, acredita que as instituições de CT&I teriam muito mais a colaborar se o contexto do financiamento à ciência fosse outro. “Apesar das boas e meritórias intenções do projeto, ele surge em um momento muito delicado da ciência no País, o que pode comprometer seus resultados”, referindo-se à falta de recursos financeiros.

Nas questões sobre a articulação com o MCTIC e o Congresso, e aproximação com a sociedade, os dirigentes reiteram a disposição em colaborar. Marcos Assunção Pimenta, da SBF, defende a formação de uma bancada da ciência no Parlamento e o apoio da comunidade ao ministro, para ajuda-lo na “guerra interna” travada entre as diversas áreas do governo pela divisão dos recursos. “A gente se articulando com os deputados fortalece a área”. Fabio Guedes, da Confap, afirma que o diálogo com as agências federais, entidades e associações que representam a comunidade cientifica nacional (SBPC, ABC, Consecti, Andifes, etc.) tem sido intenso e muito produtivo. “Assim, já conseguimos muitos avanços, principalmente no Congresso Nacional, como, por exemplo, o Marco Legal da CT&I”, acrescenta.

Em relação à aproximação com a sociedade, Fernando Peregrino, do Confies, sugere que o MCTIC deveria convidar e liderar as entidades do setor a fazer uma “cruzada nas mídias e nas instituições do executivo, legislativo e judiciário”. Gilvan Máximo, do Consecti, acha que o setor de CT&I deveria se inspirar na campanha do agronegócio na TV, com flashes no horário nobre (O Agro é Pop). “Seria uma forma de desmistificar a ciência e colocá-la no dia-a-dia”.

Para Fabio Guedes, da Confap, muitas ações podem ser colocadas em prática, “desde o uso intensivo das modernas técnicas e instrumentos de comunicação social até a aproximação maior com a classe política, nas casas legislativas e ambientes de governo”. Nesse sentido, afirma, as fundações de amparo à pesquisa cumprem um papel importante, por sua proximidade com as comunidades locais, os governos estaduais e as câmaras municipais.

Marcos Pimenta, da SBF, diz que a comunidade tem uma tarefa na aproximação com a sociedade, que começa pela autocrítica: “Acho que nós cientistas vivemos dentro de uma bolha na qual é tão óbvia a importância da ciência que a gente acha que nem precisa argumentar, nem explicar para as pessoas”, pondera. “Só que precisamos sair dessa bolha e ter um contato direto com a população, produzir material de divulgação para atingir um público maior”. Uma das medidas, sugere o presidente da SBF, é uma prática comum nas universidades de todo o mundo e praticamente ausente no Brasil, o Open Day, um dia aberto, no qual a população visita o campus, os laboratórios e participa de algumas atividades e exposições.

Janes Rocha – Jornal da Ciência