Renato Janine Ribeiro discute pandemia, compaixão e cortes no orçamento da educação e da ciência na TVT

“Nós não podemos ter a sensação de que as lutas não trazem resultados”, afirmou o presidente da SBPC durante entrevista ao vivo ao programa “Bom para todos”

A compaixão foi — e ainda é — fundamental para enfrentar a pandemia de covid-19. Essa é uma das ideias discutidas por Renato Janine Ribeiro, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), durante entrevista ao programa Bom para todos, da TVT, realizada nessa quinta-feira (27).

Durante a conversa ao vivo, Janine Ribeiro debateu as ideias centrais do seu novo livro “Duas ideias filosóficas e a pandemia” (Estação Liberdade). A primeira dela é justamente a questão da compaixão. Segundo o filósofo, até não muito tempo atrás, o sofrimento do outro era uma forma de entretenimento — basta lembrar das arenas de gladiadores ou mesmo das sessões públicas de tortura e execução. Mas isso foi mudando significativamente com o tempo.

“Eu acredito que a pandemia revelou quem as pessoas são. Algumas são pessoas muito solidárias, generosas, se empenham em ajudar os outros. A pandemia revelou pessoas que lutam no âmbito da saúde, pessoas que combatendo a fome — lembrem que o Brasil saiu do mapa da fome em 2012 após grandes esforços do governo da época e agora voltou ao mapa da fome”, explicou Janine Ribeiro. “Mas aí entra a outra questão: o ódio. Então você tem a compaixão, que foi crescendo ao longo desses séculos, mas aparentemente, ao que tudo indica, ficou um ódio dormente, escondido, latente, que quando alguém abre espaço para isso ele vem à tona. Aqui no Brasil vemos o ódio a vários grupos, ódio à população trans, a várias das populações LGBT, ódio eventualmente até a uma região do país, preconceito de cor, preconceito de gênero”, completou.

Segundo o professor, esse “ódio”, ou falta de compaixão, contribuiu para o descaso com que o governo vem enfrentando a pandemia, fazendo uma política pública às avessas. “Em vez de ser uma política de combater essa doença terrível, você tem uma política pública de quase descaso em relação a isso. Isso é muito grave”, afirmou.

Além dessa compaixão, imprescindível para suscitar a convicção de que ninguém deve ser deixado para trás, o pesquisador também ressaltou a importância da ciência e da tecnologia para viabilizarem o enfrentamento à pandemia. “O que eu quis dizer nesse livro é que as duas ideias filosóficas que nos permitem enfrentar a pandemia são de um lado a compaixão, que é o contrário do ódio, e de outro lado, é o fato que a humanidade só se coloca as tarefas que ela pode resolver. Então quando você tinha a peste negra no século XIV, que matou de um terço a metade das populações afetadas, a humanidade não imaginava poder vencer a peste. E a peste foi algo recorrente ao longo dos séculos, até a descoberta do micróbio, até a descoberta da penicilina, até várias invenções, muitas delas do século XX”, apontou. Ele explica que, no caso da pandemia de covid-19, graças aos recursos atuais, temos meios de trabalhar e estudar a distância, assim como de desenvolver uma vacina em questão de meses.

Cortes no orçamento

Apesar da ciência e da educação serem imprescindíveis para o enfrentamento da pandemia — e para o desenvolvimento do País — as áreas continuam sofrendo com constantes cortes no orçamento. Segundo Janine Ribeiro, esses cortes são graves, porque comprometem significativamente o funcionamento desses setores. “Esses cortes são de alguns bilhões de reais. O orçamento geral da união é de R$ 4 trilhões. Então por que o governo veta R$ 4 bilhões, que não fazem diferença nesse total, ainda mais porque o déficit previsto é de quase R$ 180 bilhões? Por que cortou R$ 4 bilhões e escolheu a dedo a área da educação, a área da ciência e a área que diz respeito aos cuidados com aposentados e outras pessoas que necessitam do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social)?”

Rumo às eleições deste ano, a SBPC pretende se mobilizar em compromisso com a ciência e a educação. “A SBPC não vai poder apoiar candidatos, por ser uma entidade apartidária, mas nós vamos avaliar quem assume o compromisso de lutar para melhorar a educação básica, para melhorar a educação superior, para melhorar a ciência e a pesquisa no Brasil”, enfatizou Janine Ribeiro. A entidade está programando preparar uma lista de questões, que tornará pública, para submeter aos candidatos à presidência, aos governos de Estado, e ao Parlamento de modo a analisar seus posicionamentos frente a esses temas.

Para o pesquisador, é preciso continuar se mobilizando para tentar mudar esse cenário. “Desde que eu sou presidente da SBPC, nós soltamos muitas notas, fizemos quatro jornadas de mobilização, e conseguimos com isso recompor parte do orçamento do CNPq, conseguimos melhorar o ambiente dentro da Capes. Nós não podemos ter a sensação de que as lutas não trazem resultados. Quem não tem resultado é quem não luta”, afirma.

O programa também contou com a participação de Miguel Stedile, editor do Ponto Newsletter do Brasil de Fato, que faz análise das principais notícias do dia, e Symmy Larrat, presidente da ABGLT, que aborda o Dia Nacional da Visibilidade Trans.

Assista aqui a entrevista na íntegra

Jornal da Ciência