Resistência aos antimicrobianos já são um problema de saúde pública na esfera global

Participantes de mesa-redonda na 70º Reunião Anual da SBPC destacaram principais causas do problema e ações que têm sido tomadas pelo poder público no Brasil

Uma estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que 700 mil pessoas morrem por infecção a cada ano. As drogas que deveriam tratar essas doenças não estão sendo eficientes porque os agentes infeciosos estão cada vez mais resistentes. Isso acontece porque as bactérias são capazes de transferir genes que garantem resistência aos medicamentos para futuras gerações, de recuperar esses genes do meio ambiente ou mesmo de modificar seu próprio DNA. “É uma estratégia de sobrevivência desses organismos que não podemos suprimir. O que podemos fazer é reduzir a velocidade com que eles desenvolvem resistência”, afirmou Egon Vieria da Silva, do Departamento de Fiscalização de Insumos Pecuários do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Ele foi um dos participantes da mesa-redonda sobre resistência aos antimicrobianos (RAM) na perspectiva da saúde pública que aconteceu na 70º Reunião Anual da SBPC, em Maceió.

A RAM ocorre quando os microorganismos (bactérias, fungos, vírus e parasitas) sofrem alterações quando expostos aos agentes antimicrobianos (antibióticos, antifúngicos, antivirais, antimaláricos ou anti-helmínticos, por exemplo). Os microrganismos resistentes à maioria dos antimicrobianos são conhecidos como ultra-resistentes. Como resultado, os medicamentos tornam-se ineficazes e as infecções persistem no corpo. Dados da OMS indicam que a resistência aos medicamentos já começa a complicar o tratamento do HIV e da malária. Desde 2001, essa organização reconhece a RAM como um problema global. Em 2011 foi publicado o Plano de Ação Global de RAM.

De acordo com Helena Cristina da Silva de Assis, médica veterinária e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), “O aumento do uso de medicamentos fez crescer também a presença dessas substâncias no meio ambiente. Elas são chamadas de micropoluentes ou contaminantes emergentes”, explica. Segundo a médica, eles são encontrados em baixa concentração na água, são tóxicos e seus efeitos no meio ambiente ainda são pouco conhecidos. “Além disso, não há legislação para esse tipo de substância. O tratamento de esgoto, quando existe, tem como foco resíduos sólidos e material orgânico”, lembrou Assis. Já há registros desses contaminantes até mesmo em água potável, utilizada para consumo humano.

A medicina humana e a medicina veterinária e ainda a indústria farmacêutica são as principais fontes desses contaminantes. “No Brasil já foram identificadas várias bactérias resistentes a antibióticos nas águas de rios, lagos e no mar, assim como em estações de tratamento e em tanques usados na aquacultura”, destacou a professora da UFPR. Pacientes com infecções causadas por bactérias resistentes a drogas correm maior risco de ter piores desfechos clínicos e morrer. Além disso, eles consomem mais recursos de saúde do que aqueles infectados por cepas não resistentes da mesma bactéria.

Ações de enfrentamento

Em 2017, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Anvisa, publicou Plano Nacional para a Prevenção e o Controle da Resistência Microbiana nos Serviços de Saúde. “O plano estabeleceu alguns objetivos estratégicos como incentivar pesquisas que possam ampliar a compreensão sobre a RAM, criar ações de vigilância integradas com outros ministérios e agências para monitorar casos de resistência antimicrobiana e promover estratégias de comunicação e educação sobre o tema”, explicou Camile Giaretta Sachetti, diretora do Departamento de Ciência e Tecnologia, do Ministério da Saúde. Ela salientou a necessidade de determinar o perfil da resistência no contexto nacional, o impacto econômico do problema e o desenvolvimento de alternativas terapêuticas. “Para obter esses resultados lançamos dois editais em abril desse o ano, com apoio do CNPq e da Fundação Bill e Melinda Gates, para apoiar estudos sobre RAM”, informou Sachetti.

Outro foco de ação do governo são as atividades do agronegócio, tendo em vista que o Brasil está entre os maiores produtores de carne do mundo. “O país que não tiver um plano de controle de resistência antimicrobiana está fadado a parar de exportar, a perder mercados”, contou Egon da Silva, do Mapa. Em 2017, foi criado o Programa Nacional de Prevenção e Controle da Resistência aos Antimicrobianos na Agropecuária – o AgroPrevine. Segundo ele, o Ministério realiza um monitoramento de substâncias banidas por conta do risco de provocarem resistência.

Ele aponta ainda a necessidade de investir na formação e capacitação dos médicos veterinários. “Defendemos cursos de aprimoramento para os profissionais formados e uma atualização no currículo dos cursos de medicina veterinária que inclua o tema da RAM. A prescrição de medicamentos tem que ser feita com responsabilidade”, concluiu.

Patricia Mariuzzo – Jornal da Ciência