SBPC e ABC se manifestam contra projeto que proíbe órgãos públicos de comprar publicações estrangeiras

No último dia 9, a SBPC e ABC enviaram carta ao deputado Vicentinho (PT-SP) protestando contra o Projeto de Lei 7299/2014, de autoria do deputado. Diante das críticas sobretudo da comunidade científica, ontem (10/06) o projeto foi retirado da Câmara dos Deputados.
São Paulo, 9 de junho de 2014
SBPC-070/Dir.
Excelentíssimo Senhor
Deputado VICENTINHO
Autor do PL 7299/2014
Câmara dos Deputados
Prezado Deputado Vicentinho,
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) vêm atuando na promoção do desenvolvimento científico e tecnológico no país, de modo a aumentar a produtividade e a qualidade da ciência brasileira com impacto no bem estar social.
No mundo globalizado em que vivemos a geração de conhecimento cada vez mais é internacionalizada. As pesquisas são desenvolvidas por meio de redes nas quais participam cientistas de várias nacionalidades. A cooperação internacional em ciência, tecnologia e inovação se torna condição básica para o desenvolvimento de qualquer país e instituição de ensino e pesquisa. E para que isto ocorra são pré-requisitos o acesso a publicações científicas e livros de várias nacionalidades, não só a brasileira, e o conhecimento da língua inglesa para tornar possível que os cientistas brasileiros entrem na era da internacionalização.
E é por isto, senhor Deputado, que a SBPC e a ABC não concordam com o Projeto de Lei 7299/2014, de sua autoria, que proíbe a aquisição de publicações gráficas de procedência estrangeira pelos órgãos públicos das esferas federal, estaduais e municipais para utilização de qualquer espécie e natureza da administração pública. Em seu projeto, há uma ressalva, no entanto, excetuando-se as publicações de natureza especial sem similaridade com produtos fabricados no país. 
A justificativa para tal projeto é a “necessidade de crescimento da economia nacional” e para isto “o poder público não deve favorecer o mercado externo em detrimento das produções nacionais”. Em sua justificação conclui que “necessitamos de adoção de restrições à importação de livros e demais publicações gráficas comumente adquiridas”.
Não se pode esquecer, nobre Deputado, que o crescimento da economia nacional, a qual o senhor se refere, está diretamente relacionado com o desenvolvimento científico e tecnológico do país, e que a restrição imposta por seu projeto ao acesso às publicações estrangeiras, inclui-se também as publicações científicas. E, quando o senhor estabelece que os órgãos   públicos  das  esferas  federal,   estaduais  e  municipais,  o  senhor  está   incluindo  as universidades federais, as universidades estaduais e as municipais, os Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs), além dos diversos institutos públicos de pesquisa, e todas as bibliotecas públicas, essas últimas fundamentais para a disseminação do conhecimento. Isto significa em última instância que todas essas instituições não poderão adquirir livremente livros estrangeiros e periódicos científicos. É exatamente pelo livre acesso a informação, entre elas, a contida em publicações estrangeiras que a ciência brasileira avançou com concomitante impacto na economia levando o Brasil a sétima posição mundial, sendo referência na proteção de grãos, extração de petróleo em águas profundas, fabricação de aviões, entre outras.
As universidades brasileiras estão em pleno processo de expansão, e cumprem um papel de indução do desenvolvimento econômico, social, ambiental e cultural do país. Nessas universidades públicas estudam, segundo o Censo da Educação Superior de 2011, 1.773.315 alunos de graduação e de pós-graduação, em todas as áreas de conhecimento.
Sabemos que a educação com qualidade é fator determinante de desenvolvimento e requisito básico para a melhoria das condições de vida em qualquer sociedade. E essa qualidade está relacionada à pesquisa e à pós-graduação. No Brasil o investimento em uma política de ensino superior, por exemplo, trouxe expressivos resultados, tal como o número crescente de mestres e doutores.
As parcerias com universidade estrangeiras revelam-se indispensáveis para que se possa avançar em qualidade e melhor articular com as fronteiras do desenvolvimento científico mundial. O programa Ciência sem Fronteiras é um exemplo de que o governo entendeu que há um enorme potencial de internacionalização. Esse programa objetiva oferecer mais de 100 mil bolsas para promover o contato dos nossos estudantes com sistemas educacionais competitivos em relação à tecnologia e inovação. Além disso, busca atrair pesquisadores do exterior que queiram se fixar no Brasil ou estabelecer parcerias com os pesquisadores brasileiros. Neste sentido, o PL 7299 se contradiz com as políticas adotadas pelo governo brasileiro e as tendências no cenário mundial.
Como forma de reforçar a intenção do país em melhorar a qualidade da educação e promover o acesso ao conhecimento, lembramos que recentemente foi aprovado por esta Casa, o Plano Nacional de Educação (PNE), com suas vinte metas. Destacamos aqui as Metas 12, 13 e 14 que visam elevar a taxa de matrícula na educação superior, elevar a qualidade da educação superior, e ampliar a formação de mestres e doutores. Como estratégias para atingir essa última Meta, estão: a consolidação de programas, projetos e ações que objetivem a internacionalização da pesquisa e da pós-graduação brasileiras, incentivando a atuação em rede e o fortalecimento de grupos de pesquisa (14.9); a promoção do intercâmbio científico e tecnológico, nacional e internacional, entre as instituições de ensino, pesquisa e extensão (14. 10); aumentar qualitativa e quantitativamente o desempenho científico e tecnológico do País e a competitividade  internacional da pesquisa brasileira, ampliando a cooperação científica com empresas, Instituições  de Educação Superior (IES) e demais Instituições Científicas e Tecnológicas (ICTs) (14.13).
  Mas mesmo com todos os esforços envidados pelo Poder público, em relação à educação, segundo o Fórum Econômico Mundial que desenvolveu o Índice de Capital Humano, o Brasil ocupa a 88a posição de um total de 122 países. Assim, aumentar o investimento em educação é um dos fatores necessários para superar os obstáculos referentes ao crescimento da ciência no país. E a aquisição de publicações de diversas nacionalidades é sim investimento em educação!
Outro equívoco do projeto, senhor deputado, é acreditar que a proibição de comprar publicações estrangeiras vai proteger o parque industrial gráfico brasileiro. É de amplo conhecimento que a concorrência no mercado é que faz com que as empresas busquem em inovação e maior eficiência em seu processo produtivo, e não o protecionismo.
Diante do exposto, senhor Deputado, e com grande respeito que temos por Vossa Excelência, solicitamos que o senhor retire o PL de sua autoria, pois não há como emendá-lo ou apresentar Substitutivo, já que o conceito no qual ele se baseia está equivocado. O livre fluxo do conhecimento deve ser estimulado e não restringido, em qualquer situação, e para qualquer tipo de instituição, seja ela pública ou privada. 
 
                                                               Atenciosamente, 
       
            HELENA B. NADER                JACOB PALIS
           Presidente da SBPC            Presidente da ABC
C/c:   Deputado Armando Vergílio,   Relator do PL 7299/2014.