SBPC e Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade manifestam preocupação com decisão do TRF contra professor Conrado Hübner

Em nota divulgada nesta terça-feira, 26 de abril, as entidades apontam que argumentos da decisão da 3ª turma do TRF da 1ª região cerceiam liberdade de expressão e de atividade intelectual e científica

Confira nota na íntegra:  

Nota do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)

Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e sua rede de instituições parceiras veem com extrema preocupação a decisão da 3ª turma do TRF da 1ª região, que aceitou queixa-crime do Procurador Geral da República (PGR), Augusto Aras, contra o professor Conrado Hübner Mendes. Por conseguinte, vêm novamente prestar sua solidariedade ao professor, que tem sua liberdade de pensamento e de expressão ameaçadas pela decisão.

Membro deste Observatório, Conrado Hübner Mendes é professor-doutor em Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e desenvolve pesquisas sobre direitos fundamentais e teorias da democracia e da justiça, sobre jurisprudência constitucional e as decisões e funcionamento do Supremo Tribunal Federal. Coordena ainda o Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (LAUT), instituição independente que monitora manifestações de autoritarismo e atentados às liberdades, tendo recentemente publicado pelo Global Public Policy Institute o estudo “Academic Freedom in Brazil – A Case Study on Recent Developments”. Sua atuação acadêmica ultrapassou os limites da academia. Hoje, é importante intelectual público, especialmente por suas colunas na grande imprensa.

Aras ajuizou queixa-crime contra Hübner, acusando-o dos crimes de injúria, calúnia e difamação, por conta de postagens feitas em suas redes sociais e artigo publicado na Folha de S. Paulo, em que criticava a atuação do PGR. Em primeira instância, a ação foi rejeitada pela juíza Federal Pollyanna Kelly Alves, da 12ª vara Federal da SJ/DF, que compreendeu que as condutas estavam situadas no âmbito de mera expressão de opinião.

Infelizmente, tal entendimento não prevaleceu em segunda instância. A decisão da 3ª turma do TRF da 1ª região afirma que não se pode rejeitar queixa-crime sem que haja prova robusta e pré-constituída de que não houve qualquer intenção de atentar contra a honra objetiva ou subjetiva do autor. Ademais, baseia-se no vasto conhecimento das normas jurídicas pelo professor como argumentação para não se excluir o dolo das condutas, conforme trecho do voto do relator, o Exmo. Sr. Juiz Federal Marllon Sousa, reproduzido abaixo:

“Diversamente da fundamentação posta pelo juízo a quo, não se pode excluir, prima facie, o dolo das condutas levadas a cabo pelo querelado. Até pela brilhante formação profissional do querelante, bem como pelo profundo conhecimento das normas jurídicas, existe dúvida quanto à presença ou não do elemento subjetivo nas ações descritas na inicial, cujas expressões que se dizem criminosas não foram lançadas no ambiente acadêmico, o que conferiria imunidade de pensamento e crítica durante a cátedra”

Nesse sentido, a decisão judicial sustenta que em razão da “brilhante formação profissional (…) e profundo conhecimento das normas jurídicas”, não deveria o professor ter se manifestado de tal forma, sugerindo que a liberdade de expressão de um cidadão é inversamente proporcional à sua titulação acadêmica. Nesse caso, vale registrar que não há na Constituição Brasileira norma legal que module o direito de livre manifestação em função do grau de escolaridade do cidadão.

A decisão deixa de considerar que toda manifestação acerca da conduta de um funcionário público de carreira profissional investido em cargo público – Sr. Augusto Aras – é passível de comentários e críticas seja pela imprensa ou por qualquer cidadão, não devendo ser cerceado o direito que garante ao professor Conrado Hübner a livre manifestação.

A afirmação do MM. Juízo da 3ª Turma do TRF da 1ª. Região de que haveria dolo na conduta do professor Hübner nos parece descabida, tendo em vista que qualquer declaração acerca de figura pública traz em seu bojo uma opinião afirmativa. É inexorável, portanto, que ao se manifestar revele o professor a sua veia crítica que é garantida pela Constituição ao lhe conferir o direito de se manifestar livremente, especialmente por se manifestar sobre decisões tomadas por funcionário público no exercício de cargo público.

Entendemos que a declaração não pode ser caracterizada como dolosa por ser opinião contrária aos interesses do Procurador Geral da República, pois, se assim fosse, qualquer manifestação crítica à pessoa pública seria rechaçada pelo judiciário. Estaria, assim, instaurada a censura no nosso país, o que não podemos jamais admitir em um Estado Democrático de Direito.

Vale ressaltar que o voto vencido da desembargadora Olivia Merlin Silva acompanhou parecer do Ministério Público Federal, ressaltando a seguinte passagem:

“A queixa-crime pela prática dos crimes de calúnia e difamação não pode se pautar apenas no eventual desconforto a críticas que parecem ao querelante exacerbadas ou injustas, quando o querelado exerce, bem ou mal, suas funções de jornalista político ao comentar fatos relevantes e importantes aos seus leitores”

Essas ações impactam não apenas Hübner, mas também, por meio dele, estudiosos, pesquisadores, jornalistas e pensadores que se envolvem na resistência democrática em momento em que direitos e instituições são severamente atacados.

Observatório permanecerá ao lado de todos aqueles que, no exercício legítimo e legalmente assegurado da livre manifestação do pensamento, da liberdade de expressão e da atividade intelectual e científica, encontrarem-se intimidados e censurados por quem quer que seja. Seguiremos vigilantes e atentos a toda tentativa de silenciar a crítica democrática e a atuação acadêmica no Brasil.

 

São Paulo, 26 de abril de 2022

Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade.

Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.

 

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Jornal da Ciência