SBPC recebe coligação Lula-Alckmin para debater políticas de CT&I

O encontro faz parte dos objetivos da SBPC em dialogar com os três presidenciáveis que possuem maior intenção de votos, a fim de exigir o comprometimento dos candidatos com as pautas defendidas pela entidade

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Representantes da coligação Lula-Alckmin para a Presidência da República se reuniram nessa segunda-feira, 11 de julho, com diretores da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e representantes da comunidade científica para discutirem propostas que visam o desenvolvimento das políticas de Ciência e Educação no País.

Realizado a pedido da coligação, o encontro faz parte dos objetivos da SBPC em dialogar com os três presidenciáveis que possuem maior intenção de votos, segundo as pesquisas realizadas até o mês de junho de 2022, a fim de exigir o comprometimento dos candidatos com as pautas defendidas pela entidade.

Na reunião, o presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, entregou a prévia do documento “Projeto para um Brasil Novo”, que contém sugestões de diretrizes de políticas públicas a serem desenvolvidas em diferentes setores para a próxima gestão governamental. Esse material foi elaborado pela SBPC com especialistas convidados, como resultado de uma série de debates online realizados no primeiro semestre de 2022 (transmitidos no canal do YouTube da instituição).

“Esse documento traz pontos importantes, como a necessidade e retomada das pesquisas com investimentos necessários, fortalecimento do SUS (Sistema Único de Saúde), necessidade de proteger o meio ambiente e de retirar o Brasil do mapa da fome”, destacou Janine Ribeiro.

O presidente da SBPC comentou a série de medidas inconstitucionais que o Governo Federal vem impondo e que inviabilizam a Educação e CT&I no País. “As novas tentativas de represar os pagamentos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) vão contra a Lei Complementar nº 177 de 2021, que expressamente proíbe o seu contingenciamento”, criticou.

Outra grave ameaça em tramitação, citada por Janine Ribeiro, é a Medida Provisória 1.112/22, apelidada MP da Sucata, que permite a transferência de recursos destinados ao financiamento de pesquisas em petróleo e gás para a renovação da frota de caminhões.

Coligação Lula-Alckmin afirma que CT&I deve ser política de Estado

Após conhecer as reivindicações do setor, o representante do PCdoB na coligação Lula-Alckmin, Luís Fernandes, contou que o programa de governo está em construção, mas o que o objetivo é que ele seja desenhado com base na convergência de pensamentos, com participação dos representantes dos diversos setores relacionados. Fernandes defendeu que Educação e a CT&I devem ser uma política de Estado, e criticou o Teto de Gastos (a Emenda Constitucional 95), atual justificativa para o Governo Federal para realizar bloqueios orçamentários nesses setores.

“O Teto de Gastos precisa ser removido para se ter investimento público e, assim, alavancar os direitos sociais no País. Precisamos de uma agenda para recompor o sistema de fomento de educação, ciência, tecnologia e inovação do Brasil. Temos de confrontar o colapso do fomento que está caminhando. Recompor o FNDCT e a capacitação das agências de fomento”, afirmou.

Alexandre Navarro, que também faz parte da coligação, representando o PSB, ressaltou que o programa já tem questões relacionadas ao funcionamento do FNDCT e à reformulação do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT). Navarro concordou que é preciso atuar para impedir a aprovação de projetos de leis em tramitação contra do setor, como a Medida Provisória nº 1.112, principalmente seu artigo 12, que retira recursos do fundo de petróleo, e o PLN 17/2022. “Isso tudo é um absurdo”, disse.

Navarro deixou ainda um alerta sobre a proposta feita pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) para reformular a gestão do FNDCT: “Eles baixaram os recursos, sugeriram reduzir de 15 para quatro fundos, e colocaram uma ressalva para que esses recursos não fossem desviados às bolsas do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Na proposta, também são citadas só a ciência aplicada e a tecnologia. Cadê a ciência básica? Tudo que lá está só interessa à indústria.”

Fernandes também ressaltou a necessidade de selar um compromisso de reindustrialização do País. “Temos de recuperar essa área com novas bases tecnológicas, com uma agenda para o futuro, aproveitando a capacidade que o Brasil tem. Por isso, acredito que a recomposição da capacidade de orçamento das áreas de Educação e CT&I estarão entre as prioridades dos 100 primeiros dias de governo.”

Fernanda Sobral, vice-presidente da SBPC, por sua vez, elencou outros pontos importantes que não devem ser ignorados pela coligação. “Precisamos manter e fortalecer a institucionalidade já montada. Se temos uma competência acumulada hoje, ela vem dessa institucionalidade construída”, disse.

Sobral apontou a necessidade de dar atenção à segurança pública, como a reestruturação da carreira dos policiais, além da elaboração de um projeto emergencial de recuperação da aprendizagem, pois a educação, e sobretudo a educação básica, foi drasticamente afetada nos últimos dois anos. “Uma geração deixou de ser alfabetizada por causa da pandemia”, lamentou.

Os impactos da pandemia em crianças e adolescentes também estiveram presentes na fala da biomédica e diretora da SBPC, Marimélia Porcionatto. “Além de pensar em recuperar as perdas provocadas pelo coronavírus, é preciso pensar na alfabetização científica desses jovens. Não podemos correr o risco de passar por isso novamente”, afirmou. Ela também ponderou que é preciso pensar como blindar os orçamentos do setor de educação e CT&I para que eles não sofram novos cortes.

Helena Nader, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e presidente de honra da SBPC, disse que espera do futuro governo uma “política de Estado” para salvar a CT&I no Brasil e que é importante dar atenção também à ciência básica.

Pensar no futuro do País é elaborar políticas ambientais, ressaltou SBPC

O vice-presidente da SBPC, Paulo Artaxo, frisou a importância de uma ação de Estado de longo prazo para proteger o meio ambiente e a sociedade brasileira dos efeitos das mudanças climáticas. “Temos de nos adaptar ao novo clima, por isso é preciso desenvolver políticas para essa readaptação, principalmente, para proteger a população mais vulnerável e assim evitar tragédias, como os que ocorreram em Recife e Petrópolis.”

Artaxo também falou sobre os aspectos socioambientais e a necessidade de o Brasil cumprir os 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável e deter o desmatamento na Amazônia, para voltar a ser um ator científico levado a sério no cenário internacional. “O Brasil precisa retomar a liderança no meio ambiente que perdeu, mas para isso é preciso cumprir os compromissos internacionais, como o Acordo de Paris”, disse, lembrando do papel central do País nas conferências Rio 92 e na Rio+20.

Para Artaxo, o País não está aproveitando as enormes vantagens estratégicas que possui nessa área. “Temos condição de reduzir em 44% nossas emissões apenas combatendo o desmatamento, nenhum país é capaz disso”, destacou. Atualmente, a maior parte dos problemas da Amazônia vêm da incapacidade do Estado de fazer cumprir a lei.

Além de lamentar a violência que assola o Amazonas, Ennio Candotti, presidente de honra da SBPC e diretor-geral do Museu da Amazônia (Musa), ressaltou a necessidade de investir em pesquisa na região, no desenvolvimento sustentável, valorizando a soberania nacional.

“A Amazônia tem sido vista de um ponto muito externo a ela. É necessário pensar a Amazônia a partir de um ponto de vista amazônico, porque o nosso conhecimento sobre ela é muito precário. Temos uma região super importante, que precisa ser preservada e explorada de maneira sustentável.”

Ildeu de Castro Moreira, professor da UFRJ e presidente de honra da SBPC, ressaltou a importância do diálogo, e reforçou que a comunidade científica tem muito a colaborar, principalmente em um momento de reconstrução do País. Ele também destacou que o Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia e as políticas de CT&I podem contribuir para a redução das desigualdades sociais.

Presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp), Vanderlan da Silva Bolzani destacou a importância dos seis biomas brasileiros, e chamou a atenção para o segundo maior deles, que integra o Cerrado e a Caatinga, que também vem sendo devastado ao longo de séculos e que possui um potencial de produção de riqueza gigantesco. “O que falta nessas áreas, e incluo a Amazônia, não é só colocar dinheiro nelas, mas fixar talentos jovens que fiquem lá para desenvolver a ciência que a bioeconomia necessita.”

Debates sobre financiamento da CT&I encerram evento

A secretária Regional da SBPC em São Paulo, Elisangela Lizardo de Oliveira, reforçou as preocupações com o financiamento das políticas de CT&I e de Educação, que devem estar presentes em todos os planos de governo dos presidenciáveis.

“Depois de um longo período de valorização da ciência e da tecnologia, a gente volta a ouvir que a Universidade Federal do Rio de Janeiro pode fechar, que hospitais universitários podem fechar, que outras instituições podem fechar. Isso nos preocupa muito, porque as políticas de inclusão, como a política de democratização da universidade, de colorir a universidade, de endereçar à população mais carente, tudo está sendo gravemente atacado.”

Presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Marco Antonio Zago encerrou as falas elencando quatro tópicos que são operacionais para o futuro imediato da Ciência, Tecnologia e Inovações.

O primeiro é a recuperação das instituições públicas, como o CNPq, o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) e as universidades. Essa recuperação envolve estrutura, governança, missão das entidades e financiamento. Já o segundo ponto é a interação entre as instituições federais de CT&I com as entidades estaduais.

A criação de um Plano Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação e sua integração com o Plano Nacional de Educação foi o terceiro ponto apontado por Zago. Por fim, a aproximação das instituições de CT&I com as empresas. “É impossível fazer um desenvolvimento forte da Ciência e Tecnologia sem o diálogo com o setor empresarial”, concluiu.

Rafael Revadam e Vivian Costa – Jornal da Ciência