SBPC lança “Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade”

Objetivo da iniciativa é registrar, acompanhar, tornar público e encaminhar às autoridades competentes atentados à liberdade de expressão, à liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento científico no País

whatsapp-image-2021-06-23-at-14-33-31A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) lançou nessa segunda-feira, 21 de junho, o “Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade”.  O objetivo da iniciativa é registrar, acompanhar, tornar público e encaminhar às autoridades competentes atentados à liberdade de expressão, à liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento científico no País.

O lançamento foi feito em uma sessão virtual transmitida pelo canal da SBPC no YouTube, com participação de membros do Conselho do Observatório, representantes de entidades apoiadoras – como Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH);Ordem dos Advogados do Brasil (OAB);Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (LAUT); Comissão Arns; Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap);Observatório do Conhecimento; Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP);e Ciências Sociais Articuladas -,  e parlamentares.

Infelizmente, a iniciativa não é um registro especialmente positivo para a ciência brasileira. Ildeu de Castro Moreira, presidente da SBPC, lamentou que, após anos de luta durante a ditadura militar e conquistas alcançadas, principalmente com a Constituição Federal de 1988, o País vivencia hoje um retrocesso sem tamanho nas liberdades acadêmicas e de pesquisa.

“A SBPC tem uma tradição forte, de mais de 70 anos em defesa da ciência, da educação, da democracia, participamos ativamente e sofremos por isso no período ditatorial – muitos dos nossos dirigentes, muitos dos nossos sócios, muitos dos nossos cientistas pagaram um preço alto pela defesa da democracia e da liberdade de pesquisa e acadêmica. E essa liberdade está sendo ameaçada de várias maneiras. Estamos vendo cerceamentos institucionais, assédios, censuras a pesquisadores, técnicos e muitas entidades e instituições brasileiras estão sendo atingidas. Esse observatório vai ter o papel de discutir essas questões, levantar esses problemas, encaminhar aos órgãos públicos as situações que estamos vivendo. A liberdade de pesquisa e acadêmica são direitos garantidos na Constituição brasileira, e a SBPC, junto a muitas entidades, lutou por isso na década de 1980. E vamos continuar lutando para que eles sejam respeitados e preservados”, disse.

Moreira ressaltou também que a liberdade de pesquisa é ameaçada diretamente por ataques individuais e coletivos, mas também pelas restrições de recursos orçamentários. O setor tem passado por cortes severos de financiamento público, que levam ao impedimento de publicação em revistas científicas, à não participação em congressos científicos, ao fechamento de laboratórios, a jovens deixarem o País em função da falta de condições para fazerem pesquisa, entre outras consequências, conforme enumerou.

“Devemos lembrar que a liberdade de pesquisa é essencial para o Brasil, do ponto de vista científico, cultural e econômico – nós só teremos inovação tecnológica e social se tivermos uma ciência livre. E a liberdade de pesquisa é fundamental também para a soberania do País”, afirmou Moreira.

A vice-presidente da SBPC, Fernanda Sobral, lamentou o triste marco de 500 mil brasileiros mortos por consequência da covid-19 atingido há poucos dias e a necessidade de ter que lutar, neste momento crítico, pela liberdade científica. “A SBPC, mais uma vez, toma uma iniciativa da maior importância no sentido de defender a liberdade, a autonomia da ciência. Desde seu início e na Constituinte, em especial, a SBPC teve um papel fundamental na defesa dos direitos humanos, particularmente, da liberdade de expressão, descritos nos artigos 206 e 207 da Constituição. Além disso, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, no seu artigo 19, diz que todo indivíduo tem o direito à liberdade de opinião e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões, de procurar receber e transmitir informações e ideias, por quaisquer meios, independentemente de fronteiras.” Sobral ressaltou que a SBPC há anos conta  também com um grupo de trabalho para discutir direitos humanos.

O Observatório teve como primeira tarefa escolher os membros de uma Comissão. Em seguida, foi organizada uma página online para divulgar a informações relacionadas ao tema (http://portal.sbpcnet.org.br/observatorio-pesquisa-ciencia-e-liberdade/). Também faz parte do escopo do Observatório reunir informações, colocar em discussão e articular politicamente casos de assédio e ações de censura a servidores, demissões ou escolhas de dirigentes sem especialidade nas áreas de atuação, entre outros cerceamentos, inclusive restrições financeiras às instituições de ensino e pesquisa.

Segundo Maria Filomena Gregori, professora livre-docente do Departamento de Antropologia da Unicamp e coordenadora da Comissão do Observatório, trata-se de uma iniciativa que visa coletar e mapear a atual situação da liberdade de pesquisa e de ciência no Brasil, sistematizar politicamente iniciativas e instituições em torno dessas informações, destiná-las às autoridades no sentido de cobrar resoluções, bem como produzir comunicação para a consolidação de uma opinião pública que valorize a liberdade, a autonomia e o gosto pela coisa pública.

“Não se trata apenas de seguir os preceitos constitucionais de modo irrefletido, mas antes – através de um esforço articulado – de deixar evidentes os impactos para toda a sociedade e para as novas gerações quando se ataca a liberdade. E quando falamos em liberdade acadêmica, científica e de pesquisa é preciso assinalar – algo que, infelizmente não é óbvio – que o que se define como liberdade acadêmica implica a formação prolongada, humanística na sua base, que vá gerando o conhecimento pela formulação de boas perguntas, que sejam capazes de interpelar o senso comum, ideias muitas vezes arraigadas, que impedem inovações e avanços tecnológicos, como a preservação e cuidado com os recursos ambientais e naturais e a defesa do planeta e além”, comentou Gregori.

Débora Duprat, jurista e ex-procuradora federal dos Direitos do Cidadão do MPF, é membro do Conselho do Observatório. Em sua fala, reiterou a importância dada na Constituição Federal à Educação, como meio de construção para a cidadania, para a vivência de diferentes expressões de mundo para a diversidade. “Temos desde o início desse governo verificado uma série de perseguições a conteúdos expressados em sala de aula. Começou com as questões das morais, ideologia de gênero, mas mais recentemente  sobre as pesquisas relativas à covid-19 – pesquisadores foram punidos por publicar dados. Antes disso, os ataques relativos ao orçamento, contingenciamentos absurdos. O que vem se verificando também com a escolha dos reitores, que desconstrói aquilo que foi pensado em termos de gestão democrática das universidades”, declarou, alertando que existe hoje, no atual governo, uma racionalidade, uma intencionalidade de ataque à ciência e à democracia.

O antropólogo e presidente de honra da SBPC, Otávio Velho, afirmou que as ciências  humanas e sociais têm sido alvos preferenciais nessa guerra. Também membro do Observatório, destacou que os cientistas sociais têm recebido apoio dos colegas de todas as outras áreas, mas ponderou que os ataques são a todos os pesquisadores, independente da área de conhecimento. “Não podemos subestimar o que tem acontecido no conjunto das ciências, nas outras áreas, isso afeta a todos nós. Quando o supercomputador do INPE fica paralisado, isso afeta a todos num cenário de crise climática global, para o qual essa nossa ciência contribui com conhecimentos. A paralisação disso nos afeta. Não apenas a produção de conhecimento, mas também a divulgação do conhecimento, tão necessário para que a sociedade consiga dar conta dessa situação que estamos passando”, disse, garantindo que a comissão estará atenta a todos os tipos de ataques.

“Me espanta a necessidade de criarmos em pleno século XXI um dispositivo cujo objetivo principal é defender o valor do conhecimento e do trabalho de investigação, de pesquisa e de crítica a que nos dedicamos”, disse Sérgio Carrara, professor de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e conselheiro do Observatório. “Esse espanto deriva de um espanto ainda maior, que não devemos banalizar de modo algum, que é provocado pela intensa e inaudita circulação nesses nossos tempos de fake news, teorias conspiratórias, terraplanismos, negacionismo e revisionismos de toda ordem”, observou, refletindo se essa iniciativa não deveria ter sido criada antes, se fosse possível prever o agravamento de suas consequências.

Conrado Hubner, professor de Direito Constitucional na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, membro do Conselho do Observatório, recentemente foi vítima do cerceamento por parte da Procuradoria Geral da República por opiniões compartilhadas em redes sociais. Na sessão dessa segunda-feira, disse que a iniciativa tem o desafio de garantir essas liberdades tão ameaçadas ultimamente pela repressão estatal e dentro das próprias universidades. Ele contou que o Brasil consta como o segundo pior país da América do Sul em índice global de liberdade acadêmica recentemente publicado. “O nosso desafio é não sermos apenas defensivos e reativos a cada ataque que está surgindo, mas de promover a liberdade acadêmica na esfera pública e nas instituições, monitorar e ajudar nesse diagnóstico, e, quando tivermos que reagir aos ataques, agir de modo organizado, juridicamente refinado”, disse, ressaltando que o Observatório buscará manter diálogo com as comunidades científicas brasileira e estrangeira, bem como com as instituições políticas e jurídicas.

Maria Hermínia Tavares de Almeida, da Comissão Arns e também membro do Conselho do Observatório, acrescentou que o papel da iniciativa é colaborar para a formação de uma base democrática em nossa sociedade. Ela afirmou que os ataques às liberdades vêm do governo, mas também de uma parte da sociedade que o apoia. “É importante que acompanhemos a cada medida, a cada ataque, denunciemos e cobremos do governo sua responsabilidade, que trabalhemos com Congresso e com lideranças partidárias, e que demos importância para a constituição de uma opinião pública esclarecida, informada e democrática”, sugeriu.

O ataque à ciência, ao conhecimento, à cultura, à liberdade são ataques aos direitos mais básicos de cidadania e de construção da democracia que qualquer país pode ter e deve evitar”, disse Elisabeth Vilela da Costa, membro da Comissão do Observatório e coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação. “É preocupante que no século XXI, diante de uma crise sanitária global, estarmos aqui defendendo direitos básicos. Temos que tirar o Brasil da sombra, trazer o Brasil para a luz, e nada como a comunicação e a informação como meio difusor dessa luz que pode vir iluminando nosso caminho com muita esperança.”

Carlos Brandão, professor-titular de Sociologia da UnB e conselheiro do Observatório, também comentou a situação tenebrosa pela qual passa o Brasil, na qual universidades sofrem repressões de todas as formas, inclusive de cortes de verbas. “É preciso resistir, defender a democracia. E com a articulação dessas iniciativas com a sociedade civil, com o meio jurídico, com o meio político, a ciência brasileira sairá mais forte”, concluiu.

Os parlamentares que participaram da sessão de lançamento se comprometeram a colaborar com as ações do Observatório no Congresso Nacional e fizeram duras críticas ao autoritarismo praticado pelo governo contra as instituições de produção de conhecimento do País e a comunidade científica.

“É um risco para um país a manutenção de um governo que faz das universidades suas trincheiras inimigas e dos professores seus inimigos mais viscerais. Onde há o pensamento livre, há ameaça ao governo autoritário”, declarou o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), que reforçou o compromisso com os objetivos do Observatório, de defesa da liberdade de cátedra e de expressão, e se solidarizou com os pesquisadores diretamente atacados. “Essa é uma iniciativa muito importante em defesa da saída dessa era de trevas, depois de toda essa tentativa de cerceamento das liberdades”, disse.

Para o deputado Pedro Uczai (PT-SC), a iniciativa reitera a importância da pesquisa para o presente e para o futuro do País, o quanto a pesquisa é fundamental para a Nação. “Que país se constrói sem ciência? O que vocês trazem neste momento conjuntural de defesa da liberdade da ciência, da autonomia, da independência, da soberania, de não se ajoelharem a um projeto político em curso, e não se subordinar ao abandono e medo de ser perseguido, quando vejo vocês lançarem o Observatório, vejo dizerem a cada pesquisador do Brasil: vocês não estão sozinhos, não se subordinem a um governo que nega a ciência. Quando o governo nega a ciência, as vítimas têm nome, sobrenome, endereço, e muitas foram levadas pela covid. Essa iniciativa traz todos que estão na resistência”, afirmou.

O deputado Gustavo Fruet (PDT/PR) defendeu objetivos claros a serem adotados, diante da extensão do tema e necessidade de enfrentá-lo com razão e com os instrumentos institucionais do Congresso: “Nossa atenção agora deve ser, primeiro, garantir que haja uma diminuição nessa queda do orçamento, mitigando os efeitos através de auditorias no Tribunal de Contas da União (TCU). Segundo, tentar centralizar todas as denúncias de cientistas e pesquisadores que sofrem qualquer tipo de perseguição nesse momento. E ter uma ação coordenada, em especial com o Ministério Público Federal (MPF) para que se tenha clareza com relação a alguma estratégia que esteja atingindo diretamente pesquisadores e instituições. Terceiro, pedir informações às instituições do governo que estão adotando medidas restritivas, estabelecendo, inclusive, censura prévia e autorização prévia para divulgação de trabalhos científicos. E como consequência, propor iniciativas ou projetos de resolução no Congresso, bem como outras ações envolvendo o MPF e também o TCU. Quarto, atenção com questões referentes à importação junto ao Ministério da Economia; e quinto, é importante sempre lembrar dos parlamentares envolvidos e defensores da causa, mas é fundamental agora que se amplie esse diálogo com a sociedade, e também com partidos e parlamentares que não estão diretamente relacionados a esse setor e que fazem parte da base do governo.”

“Essas iniciativas se somam e precisam ser sinérgicas na medida em que precisamos fincar o pé no chão, fixar uma barreira, dizer ‘daqui não permitiremos mais retrocessos’, precisamos oxigenar a democracia brasileira”, resumiu a Deputada Jandira Feghali (PCdoB/RJ).

A sessão de lançamento está disponível na íntegra neste link.

Conheça, acompanhe e compartilhe as ações do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade acessando estre link.

Jornal da Ciência